A poucos dias para findar o ano, nesse curto espaço de tempo, é que está depositada a expectativa da maioria das 141 prefeituras de Mato Grosso de encerrar o mandato cumprindo as regras da legislação, principalmente em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O foco das gestões municipais está voltado com ênfase ao Palácio Paiaguás, que tem o desafio de garantir o repasse de recursos atrasados nas áreas da saúde, educação e ainda em relação ao Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação). O Executivo de Mato Grosso, por sua vez, também depende da boa vontade do governo Federal em relação a verba carimbada pendente.
Nesta entrevista para o Foco Cidade, o presidente da AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios), Neurilan Fraga (PSD), retrata uma seara marcada de luta para vencer percalços agravados pela instabilidade na economia, e principalmente, pela falta de justiça da União quando o assunto é distribuição de recursos aos municípios.
Diante da resistência ferrenha do Governo Federal em cumprir na íntegra o Pacto Federativo, impondo ainda barreiras para sua revisão, os municípios encontram alternativas. São vias para maximizar o potencial de obtenção de verba federal, por meio de convênios, programas e emendas.
Neurilan não poupa críticas ao atual modelo de gestão, em que municípios continuam sendo penalizados na forma do tratamento dispensado pelo Governo Federal. O exemplo mais recente se refere a decisão da União de repassar os recursos da multa da repatriação (regularização de ativos no exterior) para os estados, deixando para janeiro os repasses de direito dos municípios.
É nesse enredo que a AMM com apoio da bancada federal tenta garantir avanços ousados, como a aprovação no Congresso do Projeto de Lei 288/2016, de autoria do senador Wellington Fagundes (PR), prevendo compensação ampliada do FEX (Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações).
Neurilan relata as duras medidas adotadas nas administrações públicas para sobrepor o difícil momento de engessamento da máquina pública. Mas alerta para a urgência de serem estabelecidos critérios para segurança da “eficiência da gestão”, visando o serviço de qualidade à população. Ao avaliar o contexto de fechamento de contas das prefeituras, o presidente da AMM avisa: “se não forem repassados os recursos que estão atrasados nos próximos dias, o cenário será de caos”. Confira.
Foco Cidade – Esse ano foi ainda mais atípico por conta da crise na economia e ajustes no orçamento. Como se encerra o ano para as prefeituras, a maioria consegue fechar as contas?
Neurilan – Foi um ano de fato atípico. A gente já esperava que fosse ruim por conta do processo de impeachment da presidente Dilma. Mas não imaginávamos que a crise fosse tão profunda como está acontecendo. Isso trouxe prejuízos enormes para o município e para a população, porque o cidadão reside no município. Se ainda nesses últimos dias que faltam para o fechamento do ano, o governo federal não nos repassar os recursos do FEX e das multas de repatriação para os municípios, e o governo do Estado não repassar os recursos da saúde, transporte escolar e do Fethab, que estão em débito, quase que todos os municípios terão problemas sim no fechamento das suas contas. Então estamos a depender da atualização dos atrasos dos repasses do governo do Estado e do governo Federal e da entrada desses recursos do FEX e referente às multas da repatriação.
Foco Cidade – O FEX estaria prestes a ser liberado segundo promessa do presidente Michel Temer para a bancada. Mas especificamente com o governo do Estado, o senhor tem mantido esse canal de diálogo. Então existe uma perspectiva otimista para o pagamento dessas três áreas que o senhor cita?
Neurilan – Eu tenho procurado ter uma relação republicana com o governo do Estado, até porque não há, ninguém consegue fazer uma gestão seja federal, estadual ou municipal sem parcerias, sem integração entre os Poderes e os entes federados. Nós acreditamos que o governo do Estado, também recebendo os recursos do FEX e da repatriação, que vai colocar em dia esses repasses que estão em atraso. São recursos que fazem a diferença nos municípios, na prestação de serviços e entendo também que o governo do Estado tendo caixa, não teria nenhuma outra razão para não estar repassando os recursos para os municípios.
Foco Cidade – Nesse contexto de atraso, qual o setor mais prejudicado?
Neurilan – O mais grave é o relacionado ao transporte escolar, que não é um valor tão grande e o montante relacionado à saúde. Como existem vários programas e alguns não estão atualizados, não dá para medir com exatidão o volume de recursos atrasados. Mas isso tem feito falta para o prefeito comprar o remédio, ou pagar o fornecedor, o posto de gasolina que abastece a ambulância e outros serviços em outras áreas da gestão. A área mais crucial dentro do atraso de repasses é no contexto da saúde e na educação.
Foco Cidade – O governo do Estado ressalta essa situação em razão da crise e também face aos atrasos de repasses do Governo Federal. Seria uma parcela maior de culpa da União?
Neurilan – A culpa é de quem conduziu esse país. Evidentemente, e aí estamos acreditando nisso, se o governo do Estado a partir do momento que ele recebe o repasse do FEX, que é de 2016, então o governo Federal tem até o dia 31 para pagar. A gente aqui também não pode estar reclamando de que o FEX está atrasado, porque ainda está dentro do exercício referente. Mas acredito que o governo Federal repassando o FEX, e já tem uma Medida Provisória. Foi feito um pedido de dotação orçamentária, inclusive o senador Wellington Fagundes que foi o relator desse pedido de suplementação e com muita agilidade aprovou no Congresso nacional. Então o governo Federal tem esse compromisso e está habilitado a repassar os recursos para os municípios. Acredito que entrando esses recursos, e agora da repatriação, também com a edição de uma Medida Provisória recentemente, onde também estabelece o pagamento das multas da repatriação para os estados nessa semana que se encerrou, não há outra justificativa para não se atualizar os pagamentos desses repasses que estão em atraso.
Foco Cidade – O senhor até fez uma crítica em relação a posição do governo Federal de pagar os estados e deixar os municípios para janeiro em relação à multa da repatriação.
Neurilan – Eu não poderia omitir. Os entes federados tem que ser tratados da mesma forma, de forma igual. Por quê o governo Federal dá um tratamento para o Estado, e para os municípios um outro tipo de tratamento se a causa é a mesma? Nós estávamos discutindo a questão da multa da repatriação, tanto os estados como os municípios tem direito. O governo Federal não queria fazer esse repasse, tanto que os estados entraram na Justiça e os municípios fizeram o mesmo e ganhamos. E aí o governo veio para um acordo, e editou a Medida Provisória na segunda-feira passada onde estabelece que estaria repassando imediatamente os recursos das multas para os estados e para os municípios somente no dia 1º de janeiro. Por quê esse tratamento diferenciado? Será que a equipe do governo Federal e o próprio presidente da República não mora no município? O cidadão mora no município. E nós estamos vivendo a mesma crise, ou os municípios do Brasil não fazem parte desse contexto da crise? Então isso foi uma afronta na relação institucional entre os Poderes. E além da crise, estamos encerrando o mandato no dia 31 de dezembro. Os prefeitos estão entregando os seus mandatos e precisam prestar conta das suas receitas e despesas. Nós não podemos deixar restos a pagar sob pena de sermos penalizados pelo Tribunal de Contas em função da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por isso que eu estranhei e achei que essa atitude do governo Federal foi uma atitude que ignorou os municípios.
Foco Cidade – Dentro desse quadro, e através da relatoria do senador Wellington Fagundes, foi garantido a inserção do FEX no orçamento do governo Federal . Acredita que no próximo ano essa situação de repasse será amenizada considerando essa segurança?
Neurilan – Com certeza. O que acontece é que hoje essa compensação da desoneração das exportações brasileiras é feita através do FEX. E não é obrigatório, o governo paga se quiser. Em 2017, já aí em um trabalho articulado entre a AMM e o senador Wellington Fagundes, que era o relator da LDO, ele colocou na matéria e foi aprovado no Congresso, de que no ano que vem o pagamento do FEX é obrigatório. Então não vamos precisar, nem municípios e nem o governo, nem bancada federal, ficar mendigando e pedindo para o governo Federal repassar os valores correspondentes à compensação através do FEX. Isso vai facilitar muito a nossa vida, porque está na LDO e LOA e é obrigatório no ano que vem.
Foco Cidade – Como avalia a integração entre governo do Estado e bancadas, principalmente a federal?
Neurilan – A integração é fundamental. Ninguém administra um Estado sozinho. Ninguém administra o município sozinho. Ninguém administra o governo Federal sozinho, enfim, até na iniciativa privada a gente percebe que tem que ter integração, humildade. Então acredito, estou torcendo e defendo a importância da integração entre os Poderes, entre os entes federados, entre municípios e Estado. Temos que ter essa visão de integração, trabalhar estabelecendo parcerias, respeitando os entes federados. O governo Federal respeitando o Estado e os municípios e vice-versa. Temos que trabalhar integrados com as bancadas federal e estadual, com os demais Poderes.
Foco Cidade – Nesse cenário de crise, os ajustes e cortes de gastos estão sendo realizados no patamar desejado?
Neurilan - Só há uma forma de superar esse momento difícil que estamos vivendo, primeiro reduzirmos as nossas despesas, fazer com que a máquina pública, seja governo do Estado, município ou União, tenha um controle absoluto dos gastos. Porque hoje a máquina pública gasta muito mal e gasta muito. Nós precisamos ter a coragem de cortar os gastos, fazer com que os recursos públicos cheguem na ponta, no cidadão, com eficiência. Esse é um ponto, para que possamos superar esse momento de crise, são as parcerias, é a integração entre nós. Precisamos de unidade para superar esse momento de crise. Tomara a Deus que daqui para frente nós tenhamos esse sentimento, essa consciência de integração, da necessidade de estarmos juntos e unidos em busca de um único objetivo, que é levar serviço de qualidade e na hora que o cidadão precisa.
Foco Cidade – Justamente por conta dos fortes reflexos da crise, se chegou a analisar a possibilidade de utilizar os preceitos legais e demitir concursados.
Neurilan – Os municípios desde o início de 2015, quando assumimos a AMM, trabalhamos e orientamos os municípios para que reduzissem drasticamente as despesas, com eliminação de cargos DAS, cortes e redução em diárias e outros. Orientamos os municípios a estabelecer horário corrido, único nas prefeituras, além de cortar os convênios, reduzir a realização de eventos e tudo isso para diminuir a máquina e enfrentar a crise. Grande parte dos prefeitos fez isso, mas ainda tem alguns que não caiu a ficha e estão sentindo mais ainda os efeitos da crise. E acredito que se for necessário ter que usar a lei no sentido de estar demitindo funcionários efetivos, terá que fazer isso. Mas tem uma medida que é necessária tomar, principalmente relacionada aos funcionários efetivos, que é fazer com que eles produzam com eficiência. Porque também tem esse outro lado, de que as vezes a máquina pública além de gastar mal, ela produz serviços de baixíssima qualidade e por uma série de razões. É preciso ter esse cuidado na prestação de serviços para a população.
Foco Cidade – Uma grande bandeira dos municípios e que não se vê sair do papel efetivamente, é o Pacto Federativo. O senhor ainda acredita numa revisão real e uma partilha mais justa para os municípios?
Neurilan – Na verdade o Pacto Federativo, do ano passado para cá e faço parte do movimento municipalista nacional, nós demos outro enfoque. Demos nova roupagem no Pacto Federativo. Nós não estamos mais no Congresso e no governo Federal falando “olha vamos discutir o Pacto Federativo porque precisamos ter 22% de tudo o que arrecadar no Brasil para os municípios”. Não estamos fazendo mais isso. Estamos trabalhando no Congresso Nacional na emissão de emendas, projetos de lei, fazendo com que o governo Federal tenha o compromisso de transferir mais recursos para os municípios. Tivemos alguns avanços na discussão da luta dos municípios sobre o Pacto Federativo. Tivemos por exemplo ganho de 2% sobre o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), então isso impactou nas nossas receitas e ajudou muito. Mas estamos trabalhando agora com outra frente, por exemplo, do subfinanciamento dos programas. Então o governo Federal cria o piso nacional do magistério, dos profissionais da educação, e ele vai lá e faz reajuste anual do piso, e não passa o financeiro para os municípios. Nós nos municípios é que temos que assumir esse aumento. Estamos então trabalhando no Congresso para poder ter leis que proíbam o governo de estar criando programas ou mesmo pisos nacionais sem a devida contrapartida financeira. E isso fazia com que os municípios tivessem uma participação menor nos recursos disponíveis. Estamos mudando essa estratégia de aumentar gradualmente os repasses para os municípios, e também fazendo com que o governo Federal não sobrecarregue mais os municípios transferindo programas sem passar a devida contrapartida financeira. Essa bandeira continua, mas com esse novo foco.
Foco Cidade – Outro ponto de defesa se refere à desoneração da Lei Kandir.
Neurilan – Sim. O FEX hoje se faz da deterioração das nossas exportações. E não é obrigatório, só em 2017, mas em 2018 deixa de ser se não houver uma mudança. Então nos propomos, num trabalho, num estudo que fizemos na AMM junto ao Senado Federal, especificamente ao senador Wellington Fagundes com sua equipe de técnicos, foi apresentado um projeto, o PL 288/2016 que propõe a mudança da Lei Kandir. Essa lei é interessante para o Brasil, para Mato Grosso, para o agronegócio, mas ela penaliza de forma cruel os estados e municípios por conta da desoneração do ICMS na exportação.
Foco Cidade – Pelo PL, a proposta de compensação praticamente elimina perdas.
Neurilan – A proposta que nós apresentamos, o senador Wellington Fagundes apresentou no Congresso, fala que o governo Federal passa a ter a obrigatoriedade de compensar os estados e municípios, evidentemente, com 100% daquilo que o Estado deixou de arrecadar por conta da desoneração do ICMS.
Foco Cidade – É um projeto ousado...
Neurilan – É um projeto ousado mas real, necessário. Porque a compensação que é feita hoje não representa nem 10% do que deixamos de arrecadar. Em 2015, Mato Grosso exportou quase R$ 50 bilhões pelo agronegócio, desonerado do ICMS. Isso representou R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões que o Estado deixou de arrecadar. E o governo Federal, com muita luta da bancada, do governo do Estado e da AMM, está fazendo a compensação. Deixamos de arrecadar quase R$ 7 bilhões para receber R$ 400 milhões. O ICMS é uma receita estadual e municipal. O governo Federal não pode chegar aqui e desonerar essa receita sem a devida reposição, sem a devida compensação. E aí ele faz uma compensação através do FEX de menos de 10%. É cômodo para o governo Federal. O Supremo Tribunal Federal determinou que o Congresso nacional tem 12 meses para definir os critérios e o valor dessa compensação da desoneração do ICMS que é uma receita do Estado. O próprio Supremo reconhece que essa compensação é injusta. Por isso que precisamos agora unir, o governo do Estado, bancadas e outros estados, para fazer com que o Congresso nacional analise, discuta e aprove o projeto 288/2016, com uma compensação mais justa do que está sendo feita.
Foco Cidade – Se ocorrer um não repasse dos recursos previstos para essa semana, qual o quadro das prefeituras?
Neurilan – De caos. Inúmeras prefeituras vão deixar restos a pagar para os futuros gestores. Penaliza os gestores que estão assumindo e aí diretamente penaliza a população, e também os gestores que estão saindo. Não é culpa de quem está saindo ou de quem está entrando. Então vamos ter inúmeros municípios nessa situação de caos, principalmente os menores deixariam de cumprir sua responsabilidade por conta da falta de recebimento dos recursos.