Esclarecimento do Tesouro Nacional sobre as portarias 06/2018 e 233/2019

O Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF, editado pela STN em razão da competência contida no § 2º do art. 50 da LRF, traz, dentre outros assuntos, orientações para a elaboração do Relatório de Gestão Fiscal (RGF), abordando orientações para a elaboração do Demonstrativo da Despesa com Pessoal, com o objetivo de verificação do cumprimento dos limites estabelecidos na LRF. Desde a sua 8ª edição (publicada em junho de 2017 e com vigência a partir do exercício de 2018), foi inserido no Manual o regramento a seguir, de forma a suprir uma lacuna normativa até então observada:

3. Despesas com pessoal decorrentes da contratação de serviços públicos finalísticos de forma indireta Além da terceirização, que corresponde à transferência de um determinado serviço à outra empresa, existem também as despesas com pessoal decorrentes da contratação, de forma indireta, de serviços públicos relacionados à atividade fim do ente público, ou seja, por meio da contratação de cooperativas, de consórcios públicos, de organizações da sociedade civil, do serviço de empresas individuais ou de outras formas assemelhadas. A LRF, ao estabelecer um limite para as despesas com pessoal, definiu que uma parcela das receitas do ente público deveria ser direcionada a outras ações e, para evitar que, com a terceirização dos serviços, essa parcela de receitas ficasse comprometida com pessoal, estabeleceu, no § 1º do artigo 18, que os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos devem ser contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal". Da mesma forma, a parcela do pagamento referente à remuneração do pessoal que exerce a atividade fim do ente público, efetuado em decorrência da contratação de forma indireta, deverá ser incluída no total apurado para verificação dos limites de gastos com pessoal. Ressalta-se que, se os entes da federação comprometem os gastos com pessoal relacionados à prestação de serviços públicos num percentual acima do limite estabelecido pela LRF, seja de forma direta, mediante contratação de terceirizados ou outras formas de contratação indireta, esses entes terão sua capacidade financeira reduzida para alocar mais recursos em outras despesas. Além disso, se as contratações de forma indireta tiverem o objetivo de ampliar a margem de expansão da despesa com pessoal, poderá ocorrer o comprometimento do equilíbrio intertemporal das finanças públicas, o que poderá inviabilizar a prestação de serviço ao cidadão.

No item transcrito, o MDF apresenta o entendimento de que devem ser incluídas no cômputo da despesa total com pessoal as despesas com pessoal que atua na atividade fim do ente público, independentemente da forma de contratação. Como exemplo, tem-se a contratação de profissionais para atuação na área da saúde por meio de cooperativas, de consórcios públicos, de pessoas jurídicas ou por meio de organizações da sociedade civil, como as OSs, OSCIPs e congêneres. Em relação às organizações da sociedade civil, é necessário esclarecer que o entendimento apresentado no MDF (transcrito acima) refere-se aos casos em que essas organizações administram estruturas pertencentes à administração pública ou têm a totalidade ou a maior parte das suas despesas custeadas pelo poder público, o que normalmente é feito por intermédio de um contrato de gestão. Nesses casos, é possível identificar o valor das despesas com pessoal relacionadas à atividade fim do ente da federação que é custeada com os recursos repassados pelo poder público. Não se enquadram, nesse entendimento, as despesas com pessoal das organizações que atuam na prestação de serviços ao cidadão de forma independente dos repasses efetuados pela administração pública, ou seja, que não dependam exclusivamente ou quase na totalidade dos recursos do setor público. Nesses casos, normalmente são feitos convênios com a administração pública e os repasses financeiros são feitos para custear os serviços prestados ao setor público, não havendo como associar o montante desses recursos ao montante apurado das despesas com pessoal.

De qualquer modo, a regra constante do MDF encontra-se vigente desde o exercício de 2018 e não se trata de uma novidade trazida pela recente Portaria STN nº 233/2019. Ocorre que, muito embora a regra do Manual apresente a correta interpretação da LRF, sob o ponto de vista operacional, não havia como segregar as despesas de pessoal dos repasses feitos para as Organizações Sociais e a verificação do cumprimento do Manual era impossível de se colocar em prática. Isso tem implicação inclusive para fins do Regime de Recuperação Fiscal, do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal e do novo PL do PEF, uma vez que um dos requisitos é observar os critérios do MDF. Se não tem como aferir se o requisito foi cumprido, pode se gerar um risco de se permitir que um ente da Federação ingresse nos referidos programas sem, de fato, estar apto a isso. A regra inserida no Manual em 2017 foi recentemente confirmada por uma votação na  Câmara Técnica de Normas Contábeis e de Demonstrativos Fiscais da Federação (CTCONF), conselho consultivo formado por representantes dos entes da federação (dentre eles estados, DF, municípios, tribunais de contas estaduais, TCU, Congresso Nacional, dentre outros – link para mais informações: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/ctconf ).

Esclarece-se que o fato de se considerar as despesas com pessoal das organizações da sociedade civil no cômputo da despesa com pessoal não tem o condão de alterar o registro da execução orçamentária dos repasses feitos a essas organizações, ou seja, a despesa com pessoal não é identificada no repasse à OS, mas tão somente quando da prestação de contas feita pela organização quanto à utilização dos recursos repassados. Para identificar esses valores, a Portaria previu a criação pela Secretaria do Tesouro Nacional  de rotinas contábeis que tornem possível obter essas informações pormenorizadas de forma a permitir a precisa apuração do limite de despesas de pessoal conforme o MDF, bem como concedeu um prazo significativo para os entes da federação fazerem ajustes nos seus respectivos processos de prestação de contas. Então, em virtude de limitações operacionais e lacuna no regramento contábil aplicável, a Portaria flexibilizou, em caráter excepcional, a observância da regra (vigente desde 2018) para os exercícios de 2018 a 2020, fazendo com que os entes tenham tempo para se adaptarem. Portanto, tratou-se, na verdade de uma flexibilização do prazo de cumprimento das regras até então vigentes.

Qualquer pedido de revogação da Portaria 233/2019 a fim de evitar pressão excessiva sobre as despesas de pessoal dos estados não faz sentido, caso contrário a regra do MDF seria de aplicação imediata, podendo ser, inclusive, adotada pelos tribunais de contas estaduais no processo de fiscalização e os estados não teriam um tempo razoável de adaptação como o que foi dado pela referida Portaria.